segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

AYRTON MUGNAINI - A Coragem de... - 1991 - São Paulo/Brasil

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Ayrto Mugnaini não é só um cantor e compositor.
Ele é um cara inteligente, culto, entende de música
pra caramba, uma verdadeira enciclopédia viva.
Ele não é só um cara do mundo dos discos em São Paulo...
Ele é cantor e compositor e dos bons!
Seu disco lançado apenas em vinil, bem no momento
da transição para o cd já demonstra que ele sabia o
que estava fazendo. Ou não sabia?
Sobre o que eu estou falando?
Normal ficar meio avoado pensando sobre Ayrton...

Entende muito sobre musica francesa, exótica, e coisas
bizarras também. Com ele comprei o primeiro lp da
Mrs. Miller...

Ouça com carinho este disco.
Um disco bem paulistano sem dúvida!
Ótimas letras.
A música é um pano de fundo.
Seu repertório faz o estilo: tem que ter um blues, um reggae,
um forró e etc...
Isso não me agrada, mas não é preciso nem ligar pra isso
ouvindo essa pérola.
Fico feliz que Ayrton tenha tido esta coragem.

Tracklist:
01 - triburo à lingua presa
02 - imunologia
03 - veterinaria
04 - virginiano
05 - gorda
06 - minhas pestinhas
07 - velho amor
08 - prove esta emoção
09 - posso dar uma canja
10 - conformática
11 - claudinha
12 - acalanto
13 - a garota do quinto andar
14 - rebel dog blues

Tenha essa coragem aquí

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Post com a colaboração do Mestre Yupo

domingo, 22 de fevereiro de 2009

Zé do Caixão e LCD - LCD Encontra Zé do Caixão e seu Estranho Mundo Sonoro - São Paulo/ Brasil - 2004 + Marchunhas de Carnaval - Brasil - 1969

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De longe esse foi dos projetos mais divertidos que já estive envolvido,
nem por isso foi tratado com desleixo e irresponsabilidade.
Quando o Centro Cultural Oficina Oswald de Andrade em São Paulo nos
convidou pela primeira vez para fazer um show junto com José Mojica
e seu famoso personagem Zé, uma grande euforia e senso de responsabilidade
nos invadiu.
Imagine, trabalhar num show em colaboração com o grande criador e cineasta?
Não o víamos como um palhaço da tv porque conhecíamos, e bem sua obra.
Isso ele percebeu logo no nosso primeiro contato e gerou uma ótima
relação de amizade e respeito.
Na época ele nos contou sobre uma vez que ia dar uma entrevista pra
alguma reporter da Rede Globo, e logo que ele entrou no salão onde
aconteceria o fato, ela ao vê-lo fez uma espalhafatosa cena de reverência.
Ele, lógico, ficou super feliz principalmente porque era uma mulher com
aquela atitude, seu Mojica não perdõa uma barra de saia.
Curiosamente ela só o chamava de Zé do Caixão e ele incomodado disse:
Não me chame assim, eu tenho nome.
DERREPEEEENTE (parafraseando o gênio) ele percebe q ela não tem a
menor ideia de qual era de fato seu nome, e pelo papinho, menos
ainda sobre sua obra.
Ele disse: diga o meu nome verdadeiro ou não haverá entrevista!

Não houve entrevista... hahahahaha

Fiz questão de narrar este fato como exemplo do que não queríamos
que Mojica pensasse sobre nosso grupo.
E isso explica também a pesquisa sonora que fizemos para preparar
o repertório do show.
Imaginem, nosso grupo estava ligado as experimentações sonoras
abstratas, trabalhando dentro da improvisação livre e ruidismos.
Não queríamos simplesmente impor essa linguagem, e sabendo que
ele não era músico, nós é que tínhamos que trazer o seu gosto
musical para o trabalho e combinar com o nosso.
Como eu acompanhava muito atento sua carreira, e algumas declarações
dele em entrevistas, juntando infomações trazidas por amigos nossos
que eram próximos à ele: chegamos à boleros, guarânias, musica
de ninar infantis, Roberto Carlos e uma especial adimiração
pelo cantor e compositor Zé Ramalho.
Fizemos um caldo disso tudo e colocamos a nossa personalidade
demente em cima e a coisa funcionou redondinha.

O Homem ficou super satisfeito e só repetia:
"No meu próximo filme, vocês vão fazer a trilha"
Nossa quanta honra! Infelizmente não aconteceu por razões mesquinhas
mas isso não precisa entrar neste texto.

Fizemos nosso show na Oswald de Andrade, ele curtiu demais,
meu amigo Dácio Pinheiro (jovem cineasta e super cinéfilo) registrou
em vídeo nossa apresentação que fragmentos entraram no famoso box
de filmes lançado no Brasil como extra escondido no dvd do filme
"O Despertar da Besta", o favorito do diretor e meu também.


imagens de Dácio Pinheiro

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Na foto da esquerda para a direita: Magda Pucci, o responsável pela
cenografia (não me lembro o nome), Rodrigo Carneiro, Miguel Barella,
Zé, PB, Dácio Pinheiro, Eloi Silvestre, Tânia e a bailarina do Brasilian Gengis
Khan, que também não lembro o nome.


Outra coisa divertidíssima que fizemos foi convidar a Tania que foi
bailarina e cantora oficial da primeira formação do grupo dos anos 70
Brasilian Gengis Khan (era ela que usava um super moicano que era
um puta impacto pra época).
A Tania convidou uma amiga que estava integrando o que seria uma
tentativa de trazer o Gengis Khan de volta.
Pena que não me lembro o nome dela. Além de muito bonita e gente fina
fez uma excelente demonstração free style de uma dança que misturava
dança do ventre com dançarina de boate. O velho foi a loucura! Hahahaha!

Pouco depois rolou um convite do SESC POMPÉIA para apresentar-mos
de novo juntos num festival de música eletrônica.
Abaixo segue uma descrição mais exata do que fizemos na época.

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Nessa época possuíamos um quarto integrante que, por coinscidêcia
havia se formado em cinema, o Kiko Araújo.
Foi quando o LCD ganhou uma nova dimenção integrando a linguagem
visual. Kiko improvisava junto com a gente projetando videos
de maneira bastante sensorial utilizando lanternas, objetos e câmeras
de segurança. Nesse show ele não ficou com a gente no palco, mas
foi responsavel pela direção do show além de realizar suas loucuras
visuais mixando trexos de filmes do Mojica com seus experimentos.
Outra coisa que preparamos com o Kiko pra esse show que funcionou
super, foram pequenos videos de abertura dos momentos musicais
do show, pois sabíamos que a participação do Zé seria muito
reduzida pelo avanço de sua idade. Logo colocamos ele o tempo em
video como um mestre de cerimônia.




Os amigos Rodrigo Carneiro e Magda Pucci do grupo Mawaca
"fazendo o acordeon chorar" na versão de Zé Ramalho.



essa foi a sequência de abertura do show com a participação
do Rubens que tentou ser seu sucessor na vida real mas
obviamente não deu certo. Rubens trabalhou como ator
no filme mais recente de Zé de Caixão como um de seus seguidores
assistentes.


05
Diga se de passagem, Miguel Barella, a múmia careca da esquerda
é ninguém menos que Orion Mike do grupo New Wave brasileiro
AGENTSS, e que posteriormente montou o Voluntários da Pátria.
Acreditem, as conexões bizarras são muitas...


04

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fotos de Kiko Araújo

02

01
Da esquerda para a direita, Eloi Silvestre, Telma, PB, Zé, Miguel Barella,
Tania e Kiko Araújo.


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cartaz do evento no sesc pompéia feito pelo amigo Sato.

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LCD 014

LCD 015

Foi um espetáculo, como diria a minha mãe!
Um pessoal ligado a rede bandeirantes assistiu e convidaram a gente
com o Mojica para uma entrevista e performance ao vivo no programa
na Band Esporte da Barbara Gância e Silvio Luiz.
Pra nosso desespero, o Mojica só chegou no finalzim do programa
e tivemos que ficar tocando sem ele, o que ficou super sem graça...
Mas nos minutos finais do programa, quando ele chegou todo
esbaforido, exatamente como ele diz na marchinha de carnaval que ele gravou,
fez uma declaração das mais hilárias quando a Barbara
perguntou: "E aí Mojica, o que você acha do grupo LCD e como foi
o show?"
Ele não hesitou e logo lascou:
"O Grupo LCD é excepcional e fizeram um show digno do Frank Sinatra
e dos Beatles!!!!!!!"

Mais tarde, quando na Folha de São Paulo ele chamou o amigo
Dennison Ramalho de a "reencarnação do Salvador Dalí" eu
entendí que ele não fazia isso só com a gente, hahahahaha

Minhas sinceras honras à este grande criador
JOSÉ MOJICA MARINS, que aquí eu chamo de a reencarnação
de Charles Chaplin!!!!!!!!
Sei que isso é o maior elogio que alguém pode fazer à ele!

Tracklist:

01 - Anselmo
02 - Tem que importar filme virgem!
03 - Bolero Sinistro

e aproveitando o clima de carnaval:

04 - Chegou em Cima da Hora
05 - Castelo dos Horrores

Experimente isso aquí!

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

CROMAGNON - CAVE ROCK - USA - 1969

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Quão bizarro um trabalho musical consegue ser?
Até que ponto se consegue produzir algo anti-comercial?
Qual o extremo disso tudo que a humanidade pode chegar?
Independente se este disco é um exemplo disso, ou não,
foi no final dos anos 60 que estes questionamentos começaram
à vir à tona dentro do contexto mercadológico e de cultura de massa.

A história desse disco começa em um dia de outubro de 1969,
um momento em que a música explodia inconformismos e
buscava a famosa abertura da mente prometida pela química
do LSD.
De fato, só o conceito das possibilidades alcançaveis com a
droga já eram inspiradores para os jovens artistas, usando ou
não esse recurso químico.

Tudo bem, tava muito bonitinho o que os Beatles estavam fazendo,
eles continuavam cada vez mais enchendo seus bolsos,
mas a curiosidade sobre as reais possibilidades extremas
assombravam os mais inquietos artistas.

Já havia um selo de Nova Iorque chamado ESP que se propunha
abrir campo para esse verdadeiro massacre cultural, e foi
quando, na data aproximada citada acima, que dois jovens
se encontram com Bernard Stollman nas imediações do Riverside Park
em Manhattan para discutir uma proposta de lançar um disco
pelo desafiador selo ESP.
Estes jovens eram Brian Elliot e Austin Grasmere.

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A conversa foi curta e grossa: "Em busca do primordial".
Pensando assim chegaram ao que denominaram como o
verdadeiro ROCK PRIMAL.
As interferências eletrônicas como edição de mixagens de
rádio transmições e de ruídos de frequencias do mesmo, utilização
do gravador como instrumento musical, aos moldes da música
concreta, somado sobreposições de linguagens musicais diferentes
e uma busca à reprodução em atitude de seres humanos primitivos,
nos trás mais um contundente exemplo de que o que foi
conhecido posteriormente como MUSICA INDUSTRIAL.

Estava feita a merda, CAVE ROCK do que ficou conhecido como
CROMAGNON havia chagado para deixar uma enigmática
herança antropológica ao universo da música pop.

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Enterrado como tudo que é trabalho verdadeiramente underground,
ao ser escavado e desenterrado em 1992, o disco assusta
pela contemporaniedade e radicalismo.
Na real daria pra dizer:
"Um disco antes e depois de seu tempo, algo entre a pré-história
e os anos 80".

Uma verdadeira aula antropológica da anti-música.
Durmam com um barulho desses...

Tracklist:

01 - Caledonia
02 - Ritual Feast Of The Libido
03 - Organic Sundown
04 - Fantasy
05 - Crow Of The Back Tree
06 - Genitalia
07 - Toth, Scribe I
08 - First World Of Bronze

Péga aquí!

yupo-stamp
Post com a colaboração do Mestre Yupo

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Michael Mantler - The Jazz Composer's Orchestra - New York -1968

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Nem tenho que dizer muito sobre este disco...
Basta dizer: Baixe! MUUUUUUUUUUITTO FODA!
Michael Mantler não é um mero compositor de jazz,
sua música transcende os limites do jazz ao erudito,
e com uma força de abalar qualquer sistema nervoso.

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Nos faz pensar: "nossa, como o ruído pode ser tão bonito?"
Não dá pra chamar nem de Free Jazz, é uma espécie
de JAZZ METAL DAVID LYNCHIANO.
Prepare-se pra grudar no teto com a belíssima faixa 4,
aquí nomeada "Preview".
Se o que eu já falei não foi suficiente pra te convercer,
dá uma olhadinha em quem toca nessa obra prima:

Soloists
Don Cherry (cornet)
Gato Barbieri (tenor saxophone)
Larry Coryell (guitar)
Roswell Rudd (trombone)
Pharoah Sanders (tenor saxophone)
Cecil Taylor (piano)

Orchestra
conducted by Michael Mantler
7 saxophones
(Steve Lacy, Jimmy Lyons, Frank
Wess, Lew Tabackin, Charles Davis,
and others)
7 brass
(Randy Brecker, Bob Northern,
Julius Watkins, Jimmy Knepper,
Howard Johnson, and others)
piano
(Carla Bley)
5 basses
(Steve Swallow, Charlie Haden,
Reggie Workman, Eddie Gomez,
Ron Carter, and others)
drums
(Andrew Cyrille, or Beaver Harris)

Diga-se de passagem, ex-marido de
Carla Bley. Produziu e compôs para os melhores
e mais insanos discos dela.

Excelente disco pra tocar quando o cunhado
apareceu de repente pra fazer uma boquinha
e te pedir uma grana emprestado.

péga aquí ó!

yupo-stamp
Post com a colaboração do Mestre Yupo

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

TEXTO - Machine Songs III: Música a serviço da Ciência – Ciência a serviço da Música - por Jon Appleton - USA - 1992

Artigo publicado no Computer Music Journal
com o título de Science in the Service of Music;
Music in the Service of Science.


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Acima uma foto do autor.

Em muitas culturas não-ocidentais, o poder da música é sinônimo de magia.

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A música faz parte da vida tanto quanto o ar que elas respiram.
Não há tentativas de explicar a música nem ela é freqüentemente tópico de conversação.

Na cultura ocidental, o anseio de explicar o poder da música é atribuído aos intelectuais.

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Para as massas, também, a música é um tópico freqüente de conversação – como as
canções de que as pessoas gostam e a vida dos cantores populares.

De onde vem esse desejo de compreender a música em outros termos do que ela em si?
Deixe-me sugerir que ele é uma produção da própria consciência, do pensamento racional,
ao qual nós chamamos de ciência – a idéia de que todas as coisas podem e devem ser explicadas.

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À medida que nossa civilização progride e se desenvolve, uma tensão crescente pode ser
observada entre disciplinas que se prestam naturalmente a indagações científicas
(como a acústica) e aquelas, como a música, que parecem constantemente se esquivar
de uma explicação satisfatória.

Hoje quem entre nós, informado dos recentes avanços
no estudo dos processos cognitivos, tentaria explicar o poder da música?
Leonard B. Meyer [1967] escreveu:
Por dois mil anos, teóricos da música procuram uma explicação
“natural” sobre os sistemas escalares e a sintaxe musical. Seu ponto de
partida era, via de regra, alguns tipos de dados acústicos –

violino

os comprimentos das cordas vibrando, a série harmônica, ou algumas
outras propriedades do som. Levando em conta tais dados, uma
tentativa era feita para mostrar que este ou aquele sistema era natural
e conseqüentemente, por extensão, necessário e válido.

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Com o início do século XX, essa procura por uma justificação natural para a música
foi abandonada. O desenvolvimento de novos sistemas tonais no
Ocidente, o estudo da história da música ocidental e as pesquisas em
musicologia comparada tornaram claro que os estilos musicais não são
formas naturais de comunicação, mas são aprendidas e convencionadas.

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Penderecky String Quartet

Ainda que possamos concluir que a música é um fenômeno cultural, talvez um
artefato salutar do nosso poder de fala e audição, ainda não podemos ignorar a intíma
relação entre a música e a ciência moderna.

fala

Ela tem sido matéria de discussão entre cientistas e músicos desde 1636,
quando Mersenne escreveu que “os sons podem verter mais luz sobre a filosofia
do qualquer outra disciplina, razão pela qual a ciência da música não deveria ser
negligenciada, mesmo se o cantar e o tocar fossem completamente abolidos e proibidos.”
(Cohen 1974)

Durante os últimos 400 anos, o pêndulo tem oscilado entre períodos no qual a
música foi considerada como uma “arte” e aqueles em que seu parentesco com
matérias científicas tiveram maior ênfase. Jacob Opper(1973) escreveu que “Rameau,
na tradição de Descartes, Huygens e, implicitamente Newton, consideravam a música
e a composição musical não como algo arbitrário e dependente de uma mera escolha
pessoal, mas como um fenômeno físico que pode ser conhecido corretamente se for
tratado como uma ciência exata e dedutiva reduzida aos seus axiomas básicos.”
No século XIX, a música e a ciência se posicionavam em esferas isoladas.
É impressionante que nas cartas de Beethoven, Schumann e Liszt raramente se
mencionem as realizações científicas importantes de seu tempo.

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Borodin

Ademais, um indivíduo como Borodin que era ao mesmo tempo um importante químico e um
grande compositor, observou uma pequena conexão entre esses dois mundos.
Entretanto seu mentor, o químico Nikolai Zinin, uma vez escreveu: “Mr. Borondin,
interesse-se um pouco menos pelas canções. Eu estou colocando em você toda a
minha esperança ao prepará-lo como meu sucessor, e você não pensa em nada além
de música, você não pode caçar duas lebres ao mesmo tempo.” As recentes biografias
sobre Borondin relatam que ele “não pensava em ‘duas lebres’ absolutamente. Em
cartas escritas para amigos e conhecidos ele enfatizava que seu entusiasmo musical
era apenas um ‘relax’”(Figurovskii and Solov’ev 1988).
No século XX, particularmente devido à aceitação do moderno (a psicologia
experimental); a legitimação da intuição e da criatividade foi reconhecida pela
comunidade científica, porque esta acreditava que aquelas finalmente poderiam ser
explicadas. R.K. Zaripov(1963) observou que “a intuição representa uma regra
importante não somente na criatividade artística – as descobertas científicas, também,
são impensáveis sem a intuição.

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Assim, um matemático não sabe inicialmente como provar um novo teorema,
e não sabe sequer se será capaz de resolvê-lo. Nem sempre,
mesmo após resolver esse problema, o matemático está em uma posição capaz de
expor claramente como conseguiu solucioná-lo, e como essa idéia nasceu e
amadureceu em sua consciência.[...] Se a criatividade e a intuição existem, então suas
leis indubitavelmente também existem, e a tarefa da ciência é conhecê-las
objetivamente.“
Tem sido observado que, dentro da comunidade intelectual, uma proporção
extrordinariamente alta de cientistas pratica a arte musical. Desde que pudéssemos
supor que a música foi a primeira disciplina introduzida em suas vidas, então seria
possível concluir que a música inspira um pensamento racional necessário à produção
de trabalhos científicos? Lazaro Saminsky (1957), em seu livro Physics and
Metaphysics of Music and Essays on the Philosophy of Mathematics, afirma que “os
fundamentos acústicos da música emprestam a ela um tipo de imanência e fazem da
música um correlativo do universo da mesma forma que as normas matemáticas. Na
música também há um resíduo estranho de realidade ficcional ou factibilidade de
alguma maneira relacionadas aos atributos do real: como símbolos e alusões
puramente matemáticas – infinito, constantes, dimensões curvadas, números
imaginários.“

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Tanto na Idade Média como no século XX, os compositores têm celebrado a
ligação da música com a lógica da matemática introduzindo sistemas paramétricos de
organização (principalmente no campo das alturas), que estão em grande parte sem
relação com a percepção auditiva. Na Idade Média, essas técnicas eram
invariavelmente ocultas, existindo sob a superfície em que as normas estilísticas
acomodavam-se.

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No século XX, alguns compositores usaram uma técnica que
introduziu uma nova maneira de ordenar as alturas, mas ainda dentro do contexto das
formas musicais tradicionais.

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Boulez

Pierre Boulez talvez seja quem melhor represente a
ruptura com a tradição remanescente ao declarar que sua música é a expressão de uma
nova “retórica“ mais próxima das ciências do que dos procedimentos intuitivos da
arte tradicional. Em seu livro Penser la musique aujourd’hui (1963), Boulez diz que
“a música é tanto uma ciência quanto uma arte.” Stephen Travis Pope (1991) em
Music Representation, Compositional Methodologies, and Computers, tem discutido
considerações renovadoras da música como ciência dentro de um contexto
desenvolvido pela ciência dos computadores.

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Talvez seja uma característica das rápidas mudanças que têm acontecido no
século XX, o período em que a ciência assumiu o lugar da religião na cultura
ocidental, onde testemunhamos, o nascimento e a queda dos grandes experimentos,
nos campos político e artístico, que representava a ”liberdade” da humanidade dos
sistemas econômicos e artísticos que eram vistos como inúteis à sociedade. Assim
como o pensamento marxista-leninista conduziu para sistemas de governos que
supostamente seriam o remédio para os excessos causados pela exaustão do
capitalismo, assim também a prática Schoenbergiana-Bouleziana era tida como a
alternativa para um sistema exaurido chamado “tonalidade.”

orchestra

Essas tentativas para revolucionar, respectivamente, nossos
mundos econômicos e musicais tinham diversas outras coisas em comum além de
sua origem germânica.
A aplicação ou a colocação em prática de ambas ideologias requeria que suas
opções alternativas – e quem as apoiasse – fossem publicamente denunciadas e
desacreditadas e, por um outro lado, um subterfúgio foi empregada em apoio
dessas idéias “revolucionárias.”
Os apologistas escreviam no Pravda sobre a influência mantida em apoio ao sistema
fálido da mesma forma que Herbert Eimert, Milton Babbitt e Charles Wuorinen
dominaram, por muitos anos, as páginas do Die Reihe e Perspectives of New Music.
É interessante a rapidez com que estas aplicações da ciência – par alguns pseudociência
– na economia e na música foram rejeitadas, e agora são vistas como experimentos
interessantes que faliram, porque negaram as realidades humanas básicas como: a
diversidade econômica e cultural no campo político, a necessidade de formas
perceptuais de organização e a força dos processos intuitivos no mundo da música.
Minha intenção é explorar os aspectos positivos da interação entre os
praticantes de música e de ciência nos tempos mais recentes, começando com o ponto
mais difícil da questão, isto é, em que os músicos têm contribuído para a ciência? H.F.
Cohen (1974) conclui, em seu importante livro sobre a ciência da música, que entre os
anos de 1580 e 1650 “a arte realmente influencia a ciência; e que a natureza de tais
influências não pode ser encontrada por analogias teóricas, mas somente penetrando-
se de forma exata e detalhada nos padrões que as provocam; e, finalmente, que o
desenvolvimento da arte pode afetá-la por um longo período de tempo, mas muitas
influências também podem apenas fazer a si mesmas acreditar no desenvolvimento da
ciência com surpreendente imediatismo.

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Max V. Mathews e Appleton

Um exemplo específico desse tipo de influência foi o trabalho feito por Max V. Mathews
para AT&T Bell Telephone Laboratories durante os anos 60 e 70.
Embora inspirado pelo seu amor à música,
Mathews também percebeu que a comunicação musical serve de muitas maneiras
como um modelo menos complicado para a forma como os seres humanos processam
a fala. Enquanto os resultados finais de suas pesquisas produziram ferramentas para o
auxílio dos músicos, foi a música que inspirou – no interior da ciência todos esses
anos de pesquisas produtivas.
Entretanto é muito mais o amor dos cientistás à música do que a natureza do
fenômeno musical que os aproximou das pesquisas musicais. Diferentemente de todas
outras ciências, a ciência da música debruça-se sobre um assunto mutável. Raios de
luz, ou movimento dos corpos, se repetidamente submetidos a um dado tratamento
invariávelmente reproduzem o mesmo comportamento [...] Mas na ciência da música
isso não é assim. Devido ao curso unidirecional da história da música, existe uma
diferença na maneira como o intervalo musical era percebido por um musicologista
dos século XIII e a maneira como ele é agora percebido, passados sete séculos de
desenvolvimento harmônico” (Cohen 1974).

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Iannis Xenakis

Basta que se leia com bastante atenção os escritos teóricos de polemistas como
Iannis Xenakis (1971) ou Allen Forte (1973)
para compreender como a má aplicação dos metódos de pesquisa científica pode
resultar numa teoria musical opaca e em última instância sem sentido.
Em nosso tempo, significantes aplicações da ciência na música têm ocorrido
principalmente em três áreas: a invenção de novas ferramentas para a produção e
reprodução de música, o estudo dos timbres e a criação de novos tipos de
instrumentos musicais. Muito desse trabalho teria sido impossível sem o uso de
processadores digitais de alta velocidade. Há mais de uma década atrás, F. Richard
Moore (1980) sugeriu que “a música e a tecnologia têm-se tornado tão
interdependentes que entre o futuro da música e o da tecnologia há uma pequena
diferença: para vislumbrar a primeira, nós devemos examinar a outra”. Muitas das
importantes descobertas que conduziram a aplicações práticas foram realizadas em
laboratórios livres de pressão comercial.

IRCAM

Trabalhos realizados na Universidade de Stanford nos Estados Unidos,
CNRS e IRCAM na França, no Instituto Real de Tecnologia de Suécia, além de outras
instituições, serviram de base para que grandes companhias como a Philips, Siemens,
Sony e Yamaha fossem capazes de produzir para o mercado, produtos que diariamente
transformam a nossa cultura musical.

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Morton Subotnik

Esses cientistas, livres para experimentar – assim como os inventores privados que, ao
tornarem-se empresários, continuaram a fazer descobertas que tiveram um impacto na
maneira como a música é feita. O caminho não é sempre fácil, pois quase todos os
inventores de novos instrumentos musicais que procuraram trazer suas criações para
o mercado foram frustados, em última instância, pela cobiça e estupidez corporativa.

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Inventores talentosos, como Sydney Alonso, Donald Bucla, Robert Moog e Thomas
Oberheim, todos eles tiveram o seu progresso frustado – e algumas vezes foram
tirados de suas próprias companhias – por homens de negócios e executivos para
quem o desenvolvimento da cultura musical nunca foi levado em consideração.
Os resultados das pesquisas científicas têm conduzido a uma mudança
fundamental sobre a maneira como a música é apresentada aos ouvintes; a maioria das
músicas ouvidas hoje são pré-gravadas em tape ou disco, e reproduzidas de um local
distante.

Dentro das primeiras décadas do século XXI, uma outra profunda mudança
tecnológica será completada – a maioria das músicas escutadas serão compostas,
tocadas e distribuídas por técnicas digitais.

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Nesta fase, essa revolução estará ocorrendo mais por razões econômicas do
que estéticas. Os sintetizadores e os sons sampleados que imitam os instrumentos
convencionais em muitos filmes e comerciais são muito mais baratos para produzir e
gravar do que os sons produzidos similarmente por instrumentos tradicionais. Muitos
teclados digitais são também muito mais baratos de comprar – e aparentemente mais
atrativos para os jovens músicos – do que são os instrumentos convencionais. Isso se
reflete no fato de que as vendas de instrumentos musicais tradicionais continuam
caindo. Atualmente, muitas das imitações sintetizadas de instrumentos tradicionais
são bem menos sutis e flexíveis do que os próprios instumentos.

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Todavia os instrumentos musicais digitais continuarão a se aperfeiçoar, e ganharão o
reconhecimento como instrumentos “por si próprios” com sutileza e flexibilidade que
excederão (e não precisarão imitar) os instrumentos convencionais.
O aspecto dramático do musical instrument of digital interface (MIDI), que,
entre outras coisas, permite alguém tocar um saxofone e soar como uma marimba, ou
tocar uma marimba e soar como um clarinete, e assim por diante, tem alterado
extraordináriamente o conceito de intérprete em nossa cultura. Enquanto avanços
ocorrem na cultura contemporânea devido à eletrônica digital, na música esses
desenvolvimentos revolucionários foram possíveis, em parte, graças às descobertas no
campo do timbre. Isto é incrível, pois há 30 anos atrás, tínhamos uma pequena
compreensão do que faz um som parecer interessante ao ouvido humano.

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O trabalho pioneiro de Jean Claude Risset, e mais tarde de David L. Wessel (1978), como
também de um número crescente de psicológos e acusticistas, levaram a técnicas
muito mais convincentes para a síntese musical. David Cope (1991) assim como
outros, iniciaram a produção de estudos sérios que iluminaram os construtores do
estilo musical. O trabalho de Johan Sundberg (1983) e seus colegas, que estenderam
os estudos perceptivos do nível micro para o macro, promoveram avanços na prática
das artes musicais pelo esclarecimento do que significa ser um intérprete musical.
Nessa arena, creio que num curto espaço veremos progressos notáveis no
modo como as pessoas fazem música.

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É raro que uma observação essencialmente filosófica sobre a execução musical
conduza a um enfoque realmente novo, mas isso
tem acontecido recentemente com a invenção do radio baton por Max V. Mathews da
Universidade de Stanford. Mathews (1991) observou que muitos indivíduos são
capazes de expressar sua musicalidade não obstante a sua habilidade musical, pois a
técnica física necessária para executar uma tarefa musical num curto espaço de tempo
pode ser limitada.

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Mathews e o Radio Baton

Ele também notou que muitos estilos da música ocidental não eram
improvisados, que as notas tocadas eram determinadas pelo compositor e não eram
sujeitas à modificação pelos intérpretes. Assim, Mathews ponderou, por que deveria o
intérprete ser fadado a estudar anos a fio até adquirir o que ele considera um tarefa
insignificante – tocar a nota certa no tempo certo. Por que não poderiam essas tarefas
ser determinada a um computador, deixando a performance humana livre para
concentrar-se em parâmetros e variáveis sobre os quais ele/ela teria um controle mais
significativo? Como esse instrumento será utilizado ao mesmo tempo por músicos
amadores e profissionais ainda está por ser visto.

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Está claro, entretanto, que a invenção do radio baton possibilitará aos amadores a
habilidade de tocar trabalhos musicais complexos que antigamente seria muito difícil para eles.
Hoje há mais condições para o aprendizado musical do que nos séculos
passados. Isso ocorreu devido ao crescimento da classe média e à criação de um
tempo maior para o lazer. Durante este século, a educação universal tem se tornado
corrente, até para as classes operárias, e as aspirações dos pais para a educação de
seus filhos têm, muitas vezes, incluído o estudo de um instrumento musical. O súbito
e explosivo crescimento da indústria fonográfica na metade do século
temporáriamente bloqueou a educação musical tradicional, tornando a juventude um
consumidor passivo ao invés de ativos executantes.

passivo

Novas formas de instrumentos
musicais reverterão essa tendência atual, como pode ser visto pela enorme
popularidade das guitarras elétricas e dos sintetizadores de teclado.

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Recentemente, a educação tradicional tem também incluído o estudo do
computador. Até uma década atrás, era moda em alguns círculos demonstrar
ignorância sobre computadores. Isso não ocorre mais, pois a juventude tornou-se
ciente das oportunidades que poderão ser abertas ao conhecerem o computador. Essas
oportunidades agora incluem a música.

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O que ainda faltou concluir foi a integração das educações musical e
científica. Há indivíduos, como Jean Claude Risset e John Chowning, que cada vez
mais praticam a ciência e a música em nível profissional. Haveria ainda mais pessoas
se a rigidez que caracteriza as nossas instituições de nível superior fosse eliminada.
Isso é exatamente o fator mais importante que confronta músicos e cientistas que se
preocupam em investir nas futuras gerações. Os estudos musicais devem tomar o seu
lugar em nossas escolas de engenharia e laboratórios científicos. Engenheiros,
cientistas da computação, acusticistas e psicólogos cognitivos devem ser absorvidos
por conservatórios e escolas de música.

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O triunfo final do intercâmbio colaborativo entre a ciência e as artes musicais
será, ironicamente, a invisibilidade da tecnologia. A recepção pública positiva dos
primeiros desenhos animados deve-se muito mais ao conteúdo do que à façanha
tecnológica sem precedente dos cineastas. Isso não tornou os cineastas mestres em
tecnologia, e por conseguinte a sofisticação adotada pela forma da arte a que estamos
habituados.

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Musicalmente, estamos num período de transição na qual o milagre da
gravação e da computer music, às vezes, parece muito mais importante do que o
produto musical. Em breve, a tecnologia de produção não terá o menor interesse para
o ouvinte.

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John Appleton em 1965 no Columbia-Princeton Electronic Music Center
onde se graduou.


Tradução: Vanderlei Lucentini
 
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